Você já deve ter ouvido falar que as tartarugas marinhas, quando adultas, sempre voltam à mesma praia onde nasceram para desovar. Incrível, não é?
Mas já parou para pensar como é que elas fazem isso? Como elas sabem exatamente qual era a praia? E como elas acham o caminho de volta após anos e anos migrando oceano afora?
Se nós, seres humanos, com nossos cérebros gigantes e tecnologia superevoluída, temos dificuldade em manter o rumo certo no oceano, imagine então uma “simples” tartaruga, sem bússola nem mapa nem muito menos GPS!
Cerca de 10 anos atrás, um casal de pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (UNC), nos Estados Unidos, propôs que as tartarugas usavam o campo magnético da Terra para se orientar no oceano. Parecia loucura no início, mas a teoria foi comprovada por vários experimentos e hoje é amplamente aceita como correta. Não só para as tartarugas marinhas como para várias outras espécies migratórias de aves, mamíferos e insetos.
No trabalho original, publicado em 2001 na revista Science, Kenneth e Catherine Lohmann mostraram que as tartarugas-cabeçudas (Caretta caretta, é o nome científico) usavam referências do campo magnético da Terra para determinar posições de latitude (norte-sul). Agora, dez anos depois, fizeram um experimento bem semelhante e concluíram que as tartarugas utilizam esse mesmo mecanismo para determinar também sua posição de longitude (leste-oeste) … o que era um mistério até agora.
O campo magnético da Terra é gerado pela movimentação do ferro líquido e fervente que compõe o núcleo externo do planeta (que é chamado “externo”, mas na verdade é interno, pois está dentro do planeta, então não se confunda … é que dentro desse núcleo “externo” há um outro núcleo de ferro sólido, chamado núcleo “interno”). Por ser um líquido condutor de eletricidade, ao girar com o planeta ele cria esse magnetismo, que flui do pólo norte ao pólo sul, envolvendo a Terra numa espécie de bolha magnética. Por isso as bússolas sempre apontam para o norte, porque é lá que a atração magnética do planeta é mais forte. (Para ler mais sobre o interior da Terra, veja um artigo que escrevi em 2008: Terra, o planeta petit gateau)
Como o magnetismo flui num eixo norte-sul, faz sentido que as tartarugas consigam utilizá-lo como uma referência de latitude, percebendo pequenas diferenças nas características do campo dependendo de onde estão.
Mas e quanto à longitude?? O campo magnético não varia de forma significativa no eixo leste-oeste, então ninguém tinha conseguido explicar isso até agora.
O que os pesquisadores fizeram para investigar o mistério foi colocar filhotes recém-nascidos de tartaruga-cabeçuda em tanques de água redondos, rodeados por um sistema controlado de ímãs, capaz de reproduzir as condições do campo magnético de qualquer ponto do planeta. As tarataruguinhas, então, eram deixadas livres para nadar na direção que quisessem, e todos seus movimentos eram monitorados por um sistema de sensores computadorizado.
Antes dos resultados, uma explicação: As tartarugas-cabeçudas que nascem na costa leste dos EUA (onde o estudo foi feito) seguem uma rota migratória bem estabelecida. Assim que saem do ovo na praia elas vão para a água e começam a nadar para o leste, pegando carona nas correntes de água mais quente e fértil que as levam num passeio de vários anos pelo Atlântico, circulando no sentido horário, passando pela costa oeste da África, até voltar aos Estados Unidos.
Os pesquisadores, então, usaram a piscina magnética do laboratório para simular dois pontos geográficos de uma mesma latitude, mas de longitudes diferentes – um em cada lado do Atlântico. Quando simulavam o campo magnético de Porto Rico, no Caribe, as tartaruguinhas nadavam no sentido nordeste. Quando simulavam o campo magnético das Ilhas de Cabo Verde, na costa da África, elas nadavam no sentido sudoeste. Ou seja: na direção que elas nadariam de fato se tivessem acabado de nascer nesses lugares, de acordo com a rota migratória padrão da espécie.
Como a única coisa que mudava entre uma simulação e outra era a longitude do campo magnético, os pesquisadores concluem que, apesar das diferenças serem muito sutis, as tartarugas-cabeçudas são capazes, sim, de determinar sua posição leste-oeste com base no campo magnético da Terra. Assim como fazem com a latitude.
É como se elas tivessem um GPS biológico embutido na cabeça. Imagine só!
Como esse GPS funciona, porém, ainda é um mistério … O estudo em questão, publicado na revista Current Biology, não propõe nenhuma teoria. Mas encontrei a seguinte referência no site do Projeto Tamar: “A presença de magnetita (mineral muito sensível à direção do campo magnético usado para fazer ímãs) no cérebro das tartarugas marinhas sugere uma possibilidade para compreender a capacidade de orientação em mar aberto.” Se for isso mesmo, inacreditável!
Fonte: Estadão
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